Um passeio perigoso!

Uma saída “à francesa”

Flavio Musa de Freitas Guimarães
8 min readSep 30, 2022
Photo by Mikhail Vasilyev on Unsplash

Saí com meus cachorrinhos sem que ninguém notasse; levei-os para o passeio da tarde a que sempre os levo: espaço amplo para eles correrem, brincarem, se lavarem no mar.

Eu os esperei numas pedras do final da praia; eles atravessaram seus buracos, acho que foram até uma praia próxima; demoraram um pouco, assobiei, e lá vieram os dois pulando em mim, me molhando e sujando de areia.

Voltando, vim rente a um muro de pedras; um senhor me chamou e acenou para mim; estava na porteira me cumprimentou, fez um aceno, fui até ele com meu cigarro aceso nos dedos da mão esquerda, apertei sua mão calosa, ele me pediu um cigarro, pois a lojinha mais perto estava fechada. Dei-lhe quatro, agradeceu e já foi, ansioso, acendendo um. Conversamos um pouco, não me lembro sobre que, só que ele era o responsável pelo condomínio, que lhe dava muito trabalho e às três moças, pois o movimento era grande. Olhei: uns oitenta metros de extensão à beira da areia, vários bangalôs com varandas em carreiras, subindo o morro.

Chamei os dois molequinhos que tinham voltado para as ondas, continuamos entre as palmeiras e o muro, que seguia: veio um condomínio muito maior que o anterior; só a piscina, olímpica pensei, deva ter cinquenta metros, uns trinta antes dela e 50 depois!

Não reparei bem, para não tropeçar e tomar conta dos sapecas, acredito serem uns dez chalés ao nível da piscina, outros tantos que sejam em mais dois níveis acima, todos em madeira pintada com verniz náutico, e com varandas.

Uma cachorrinha veio latir para os meus na grade de madeira, meus dois subiram no muro em que e cerca está, foram os três brincando, latindo, correndo, até que se ouviu um chamado “Annie”.

A Annie correu em direção a uma casa situada bem ao final da propriedade, os cachorrinhos atrás dela até o portão de acesso da casa à praia, onde os três ficaram sacudindo os rabinhos e latindo.

Era uma casa pequena, toda em madeira, pintada com tinta de barco, chaminé de uma lareira e/ou fogão a lenha, bem construída, uma sacada ao rés do chão, onde uma mulher linda, corpo e curvas perfeitos, blusa leve que lhe ressaltava os seios, saia florida em chita, cabelos louros claros, longos com aquela pequena mecha propositadamente caindo sobre o olho direito, olhos azul-água, conversava, em Francês com uma senhora mais velha, cabelos castanhos cortados à altura das orelhas, vestido longo que pensei ser em voil, também florido.

Me viram olhando e reparando em tudo, a coisinha linda disse “Boa tarde!”.

Olhei para elas e saudei: “Bon jour!”

- Ah, tu parles bien français! Très peu de Brésiliens savent dire correctement Boa Tarde en français, dit la dame.

- J’aime la langue; il y a deux décennies, je parlais raisonnablement bien et couramment, aujourd’hui mon français est faible; Je fais des erreurs d’accord grammatical et j’oublie beaucoup de mots, mon dictionnaire est devenu limité.

- Mais ton accent est celui d’un Parisien.

- Merci ; J’ai une bonne oreille pour les langues et les accents.

- Et ta voix de baryton est magnifique. Dit la jolie a chose.

J’ai regardé dans ces yeux et j’ai rougi.

“Entrez, parlez avec nous et prenez un verre du vin blanc sec et déjà glacé”, a-t-elle poursuivi.

- Annie et mes chiens jouent à travers la clôture; mais peut-être qu’elle sera en colère contre moi et contre eux si nous entrons dans son territoire.

- Pause de tout; J’ai vu comment elle te léchait la main. Quand il n’aime pas quelqu’un, grogne, mord ; a mordu de nombreuses jambes de personnes qui sont entrées sans que je sois chez.

- J’ai ouvrit la petite porte, les chiens ont couru comme des fous entre mes jambes, les trois ont couru par tout le condo.

La façade de la maison était la latérale: deux fenêtres logngs et hautes, une porte entre elles. La porte conduisait à un vestibule, la chambre à dormir juste près de la porte à gauche, em la suivant, la cuisine, une toilette au fond; a droite un salon, combinant sale de manger-sale de visites-cinema maison. Je la traversé vers la sacade.

Aqui tivemos um escritor e cronista excelente, João Ubaldo Ribeiro[1], que em algumas crônicas usava verbetes desconhecidos pela quase totalidade dos brasileiros, alguns em formas arcaicas de palavras. Em seguida a frase: “Ao Léxico!” ou “Ao Pai dos Burros!”.

Para ler os parágrafos acima, “Ao Google Tradutor” quem não entende francês.

Sim, com meu francês estropiado, consegui conversar com as Dame/Mademoiselles.

E daqui sigo em português, e deixo desta demonstração de falsa cultura, de cultura googlesca.

Me indicaram a cadeira do meio, com vista para a praia e mar; curvei-me para cada uma e sentei-me.

Coisinha fofa encheu minha taça, fizemos o tintim olhos-nos-olhos de praxe, baixei os meu rapidamente dos da lindinha, para não corar de novo.

Tábua de queijos franceses e europeus, de verdade, cestinha com pedaços de pão, jarra com água fresca e copos ao lado das taças.

Tomei o delicioso vinho aos golinhos, comendo, com indesejada, mas necessária parcimônia; nunca se toma aqui vinho às cinco da tarde, temi ficar tonto.

- Posso fumar?

- Claro: Ela — apontou para a senhora — faz mais fumaça que chaminé. Não me incomoda, mas sim cinzeiro cheio de guimbas.

Levantou-se, limpou o cinzeiro num balde com tampa atrás de si, colocou-o entre a senhora e eu.

Peguei um cigarro, a senhora, isqueiro em riste, acendeu-o para mim.

A curiosidade feminina, que não tem raça, credo ou cor, ajudou muito.

Me pediram um histórico de vida, fiz um resumo resumido sem gabolas; chuvarada de perguntas a que respondi com franqueza, sem enfeites.

Assim que me deram uma folga, perguntei, primeiro à senhora, que se chama Déborah, por seu “curriculum”.

Antes que esta respondesse, Sophie — me disse seu nome quando nos cumprimentamos -,

- Um momento! Por tudo que fez, por onde andou, você me parece mais moço do que deve ser; qual sua idade?

Tive ganas de tirar uns poucos anos, mas disse a verdade: 75.

- Já vi você correndo pela praia, mergulhando e nadando, fora a pequena barriga de tomador de cerveja, está com saúde e corpo em forma!

- Obrigado. Mas, continue Déborah.

Ela também contou sua vida do nascimento até hoje, sem gabolice, intermeada por comentários hilários, outros de carinho, alguns sarcásticos de Sophie. Ao final, deu para entender que fora riquíssima e continuava bastante rica.

E você?

Sophie contou com rapidez e poucos detalhes, com humildade (real ou quem sabe, proposital): nasceu em Toulouse; filha de pai e mãe franceses, ele industrial de sucesso, ela, filha única, herdeira de títulos, ações, propriedades na França e alhures, inclusive de uma fazenda aqui de que vendeu a maior parte e permaneceu com esta; a pousada vizinha, a venderam para o atual proprietário há cinco anos.

O pai se cansou de tanto trabalhar, há 23 anos, ela e os dois vieram morar aqui; ele mantém um escritório em São Paulo, de onde controla o grupo de empresas a cargo do gerente.

Seis anos depois, a mãe morreu de infarto fulminante; seu corpo foi levado a Toulouse e enterrado na cripta de sua família.

Meus cigarros estavam acabando: me distraí com as conversas. Fumei mais um: restaram só quatro!

De onde eu estava, eu via toda a propriedade; bem cuidada, sem um chalé alugado; era apenas para laser! Tinham fortuna suficiente para que os netos de Sophie pudessem continuar com o condomínio, talvez então ainda ganhassem, alugando chalés, mais que o suficiente para mantê-lo bem cuidado.

Se a mãe fez testamento na França, dispôs como tenha querido a partilha de seus bens, entre o marido e a filha a maior parte ou tudo, algumas outras a seu critério. Se foi aqui no Brasil, metade para o marido e filha, a outra para quem quisesse. Sophie é muito mais rica do que entendi de sua vida.

Vi um grande carro cinza escuro, provavelmente americano, e um Porsche vermelho.

- Vejo dois carros na garagem; são seus?

- O meu é o Porsche; o outro é de meu pai. É dirigido pelo André, que também é quem contrata as equipes de limpeza, manutenção, tratamento da piscina, nosso “pau pra toda obra”.

- Seu pai vem aqui com frequência?

- Sim, mas o choque da morte de minha mãe foi muito forte para ele: teve um derrame, Um AVC, foi curado, apenas tem alguma dificuldade de se locomover. Vem a cada dois meses, às vezes um mês; não gosta do barulho e poluição da cidade. Chama André que o vai buscar; aqui anda com ajuda de bengala; quando se cansa, eu ou André o empurramos na cadeira de rodas.

-Desculpem-me, vou ao lavabo.

Quando voltei, Sophie,

- A propósito: com 75 anos você já deve ter a próstata aumentada; mas ainda dá no couro?

- SOPHIE!

Fiquei tão aturdido que pensei ver seus olhos tomando um tom de azul mais escuro

- Desculpe, Déborah; reformulo minha pergunta. “Você tem a função erétil em bom estado?”.

Desta vez, ao olhar para mim, vi seus olhos em azul mediterrâneo, cintilantes, irresistíveis.

Déborah se levantou.

- Você está inconveniente demais hoje! Vou embora e sugiro ao senhor que também vá.

- Calma, querida! É uma experiência científica. Quero testar se um homem com mais de 70 transa.

Déborah desabou na cadeira, mãos na cabeça.

- Sophie, você já tem um namorado! Disse eu.

- UM namorado? Diz Déborah com um ricto de sorriso sarcástico.

- É, alguns, mas são só amigos mais jovens…

- Senhor, cuidado! Esta mulher é uma feiticeira: arranja um namorado, depois o despede. e nunca mais ele aparece aqui.

E foi embora.

Minha “função erétil” já estava funcionando. Que importa ser despedido depois?

- Aceito participar de sua experiência. Vou para casa, dar um banho de esguicho nos cachorros, tomar uma ducha e volto.

- Não: Quero ir jantar com você antes de transar; é mais romântico e excitante. Conhece o “Le Printemps”?

- O de esquina, com mesas sob árvores, ao lado da praça da feira de sábado?

- Sim, este mesmo. Espero você lá.

- De jeito algum: Não deixo uma mulher me esperando, ainda mais uma mulher bonita como você; se eu chegar depois, você já terá um mocinho a seu lado. Encontro-a lá daqui a meia hora.

- D’accord.

Peguei os cachorrinhos no colo, corri para casa.

O carro de minha mulher não estava na garagem; oba!

Deve ter levado a amiga que passava uns dias conosco a passear, certamente ao shopping.

Dei o banho de esguicho nos cachorros, sequei-os com as toalhas dentro de casa, fechei a porta, tomei um bom banho com sabonete perfumado. E assegurei que os cachorrinhos não tivessem como sair.

Skill Idiomas

Sem que ninguém me visse, saí.

Com coração acelerado, toquei o carro, sintonizado com o coração.

Estacionei na primeira vaga livre.

Entrei no restaurante, corpo cheio de sensação de primavera.

Ela já estava lá, a bandida; levei 20 minutos no máximo para chegar! Acenou para mim; estava sozinha (ainda bem!).

Me esperou em pé, me agarrou, me deu um beijo na boca,

Pavor, gritos, gente fugindo do restaurante!

Ensopado de suor, agachado de quatro na cama, berrei!

CROAC!

hospedario.com.br. sonhar-com-sapo

[1] https://www.pensador.com/autor/joao_ubaldo_ribeiro/biografia/

--

--

Flavio Musa de Freitas Guimarães
Flavio Musa de Freitas Guimarães

Written by Flavio Musa de Freitas Guimarães

Already watching the eighty-eight turn of the Earth in curtsy around its King, I’m an engineer that became a writer, happy, in perfect health, body and mind.

No responses yet