Um canto e um Conto III
VAZANTE
Cansado, o mar se refaz.
Repousa de sua fúria do dia
De preamar vaidosa, barulhenta,
Que se foi.
Sussurra agora.
Ouço,
A ouvir o que diz o poeta
Exige-me ouvir estrelas.
Entender?
Penso ouvir: Amar é preciso…
Espero,
Sussurra o mar
Tento entender o que diz.
Orelhas para ele, cacofonia.
Deixo o pensamento vaguear
Pelas lembranças do passado.
Que fazer?
Não há lembranças do futuro…
Ainda espero, expectante,
O sentido da mensagem.
Se enchentes tantas tive,
Vazantes muitas também…
Levanto-me
Ando para ajudar a pensar
Entender ou esquecer
A mensagem cifrada,
Incômoda.
Passeio pela Orla.
Passo sob a luz de um poste
E minha sombra, viva,
Aparece à minha frente;
Ando
E minha sombra vai
Mais veloz adiante!
Voa para o futuro.
E este gigante
Se esmaece,
Quase fantasma se torna,
Some ao que do próximo me aproximo.
Estarrecido eu o procuro à minha roda;
O gigante então a mim me segue!
E se apequena
Voando a me chegar
Me persegue mais rápido
A cada passo!
Some,
No presente?
Só para aparecer adiante e nada sugere…
Volto a sentar-me ao mar,
Apuro ouvidos.
Que da mensagem perdi?
Quem estou?
Eu, no presente que não há,
No passado que se foi
E me persegue,
No futuro que me foge
Que talvez será?
Sim, ouço teu sussurro
Mar cansado em vazante
Cansado também eu
E as sombras de que sou
Enchentes, preamares, se foram,
Alegres, álacres, ou silentemente,
Conspicuamente sorvidas.
Amor,
Sim, entendo agora.
Mas…
Amei amor que nem me entendia.
Que esperar que estrelas,
Murmúrios de ondas pudessem
Ouvir, entender?
Vazante, vazante…