Meu amigo fantasma

Flavio Musa de Freitas Guimarães
3 min readSep 17, 2022

Inspirado pela postagem de Christine Stevens’ “Have You Been Ghosted By An Old Friend?”

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Há dois meses, durante uma conversa sobre um assunto urgente com amigos muito queridos, um dos quais é meu amigo de antes de você, seu nome surgiu.

Desde então eu sonho com você, sonhos onde você aparece, em um hotel, em um salão, em uma conferência, em um jantar: fala comigo ou passa rapidamente sem me ver ou dizer alô.

E comecei a me preocupar com você, com o que aconteceu para você se tornar um fantasma para mim, e talvez para outros de seus amigos. Espero que você esteja vivo e bem; tão bem que você se esqueceu de nós.

Fiquei muito rico quando trabalhamos juntos. Você, ainda mais do que já era.

Você morava longe, mas sempre vinha, quinzenalmente, às vezes de dez em dez dias, ficava aqui três dias, às vezes até uma semana.

Ouvi dizer que você tem ou teve uma casa nas Américas, mas, parece-me, você viveu e ainda vive na Europa. Nunca soube onde, mas nos encontrávamos e com nossos amigos na sede da empresa. Também me lembro desses encontros com carinho e alegria. Fazem parte das minhas boas lembranças.

E, naquela época, você vinha à minha casa, para jantar ou tomar um trago, conversávamos sobre tantas coisas… você contava histórias da sua já longa jornada, maior que a minha, mesmo sendo mais jovem do que eu. Bate-papos deliciosos que fazem parte de sua presença fantasmagórica em meus sonhos e em memórias em vigília.

Depois que terminamos nossa aventura juntos, você nunca mais respondeu minhas mensagens, e elas voltaram com “endereço inexistente”, seus números de telefone que eu tinha, não existiam mais.

Procurei por nossos funcionários de então, mais amigos nossos do que funcionários, pedindo notícias deles, pedindo que me mandassem seus contatos. Responderam que lhes tinha pagado o que mereciam e que já não lhes respondia, não sabiam do seu paradeiro, mas que parece que se retirara para um iate, de onde saía apenas para reuniões ou compromissos importantes; eles não sabiam para onde ou por quê. Suposições que eu achava e ainda acho improváveis: fantasias em que acreditavam, ou desculpas para não me dizer a verdade?

Afinal, fantasminha, o que aconteceu? Você pode me responder?

Não me lembro de ter falhado com você, nunca ter ofendido você.

No início da nossa companhia você costumava me parabenizar pelos sucessos que eu trouxe para o nosso pequeno negócio, um negócio que, sob sua orientação e comando, cresceu, abriu muitas filiais na Europa e no Oriente e, eu também, fiquei rico.

Ofereceram-nos a compra de uma fábrica; você tinha contato com um grupo forte interessado em comprar sua produção, grupo que mandou um técnico e uma equipe econômica para visitá-la, confirmaram o interesse, nós compramos.

E você sempre me ajudou, com conselhos e, ainda mais, quando me deu a oportunidade e os recursos para agir para proteger a mim e minha família, uma ação que, enfim, salvou minha vida!

Você sempre quis me ajudar. Até que você tomou uma decisão, com a qual eu não concordava. Mas acabei concordando. Uma decisão que acabou impedindo a você de continuar me ajudando.

Quando a fábrica, por vários motivos, teve problemas, você não pôde mais me dar a ajuda que eu sei que você tentou. Usei todo e qualquer dinheiro e bens que eu injetando no capital para salvá-la, sem sucesso. Mas estou vivo!

E eu estava errado; sua decisão foi excelente para a empresa e para você. Que eu saiba, desse embrião você criou tantos outros de sucesso que eu nem entendo como você pode ter tempo e energia para liderar cada um e, mais ainda, coordenar todo o grupo!

Você sempre foi honesto comigo e com nossos amigos; quando eles decidiram ou tiveram que sair, você os honrou e a si mesmo dando a eles uma quantia correta e justa. Mesmo que eles neguem, eu suspeito que eles e você continuaram a ter contato, pelo menos por mais um ou dois anos. Não consigo entender por que não comigo. Pode me dizer por quê?

Queria que agora você pudesse se materializar, voltar a ser meu amigo como antes e sempre, principalmente agora.

Não sei se ainda pode, mas creio que sim.

Continuo esperando sua resposta; por enquanto, você continua sendo meu fantasma amigável.

Você já sonhou comigo?

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Flavio Musa de Freitas Guimarães

Already watching the eighty-eight turn of the Earth in curtsy around its King, I’m an engineer that became a writer, happy, in perfect health, body and mind.