Dos Musa, o Flavio.
Minha família Freitas Guimarães é de nobres e plebeus do Norte, minhotos.
Fui algumas vezes à Santa Terrinha, mais para visitar os Brandão e Faria, parentes da Julieta , no Porto, Lisboa, e seus arredores.
Numa delas fui ver a Vovó Julieta em Mondim de Basto e, de lá, fui finalmente visitar o Castelo de Guimarães.
Tenho orgulho de ser Cidadão Português e muito amor por minha segunda pátria; cultivo sua história e cultura.
Em mais um dos meus romances conto causos e cousas de Portugal, mais especificamente de Coimbra, Porto e arredores. Em meu texto, Carolina e Antero foram importantes na história da colonização portuguesa no Brasil.
Somos ciosos da família Freitas Guimarães; alguns o são exacerbadamente, daqueles “de nariz empinado”, mas a maioria apenas normais cultivadores, orgulhosos de sua história (que, claro, conta com alguns — poucos — de que não podemos deles nos orgulharmos, “but we turn the blind eye”…).
E temos a sorte de contar com uma prima querida, a Maria Regina de Freitas Guimarães Guerra; ela fez uma árvore genealógica completa e detalhada que enviou para nós todos; também nos enviou o Brasão da Família, que vai aí.
Eu sou mais Musa que Freitas Guimarães por meu estilo e vida, família cuja origem é não só plebeia[1], mas bastarda, nascida do amor de Tomás António Gonzaga e Maria Dorotéia Joaquina de Seixas Brandão.
Tomás escreveu, entre outros livros e textos, as Liras “Marília de Dirceu” em que sob o pseudônimo de Dirceu, conta de um pastor, encantado e enamorado por sua musa, a que chamou de Marília.
A história registrada é curta e seca:
“Esta é a história de uma moça muito jovem, seduzida por um forasteiro português com poemas de amor numa terra onde brotava o mais puro ouro, no Brasil do século XVIII…
Ele, Tomás António Gonzaga, nasceu na cidade de Porto, em Portugal, porém, filho de mãe portuguesa e pai brasileiro, viveu parte da vida no Brasil. Formado em Direito pela Universidade de Coimbra, mudou–se para o Brasil para trabalhar como ouvidor e juiz. Aqui, pretendia se casar com a jovem Maria Dorotéia Joaquina de Seixas Brandão, sua musa Marília.
Maria Doroteia era uma moça de 15 anos quando Tomás Antônio Gonzaga veio de Portugal para Vila Rica a fim de assumir o cargo de ouvidor, no fim de 1782. No século XVIII, não era costume as moças e mulheres de famílias distintas saírem desacompanhadas. Por isso, é bem provável que o quase quarentão Gonzaga tenha conhecido e ganhado intimidade com Maria Doroteia enquanto frequentava a casa do seu tio, Bernardo da Silva Ferrão, chefe de considerada família da capital de Minas Gerais. O convidado se enamorou da sobrinha do seu amigo advogado. Uma moça belíssima, pelo retrato que dela fez o poeta.
Naquelas longínquas paragens do Brasil colonial, Gonzaga compôs muitas liras para seduzir sua musa, dando a ela o nome poético de Marília e chamando a si mesmo de Dirceu.
Uma semana antes do casamento, a rainha mandou prender o poeta e seus companheiros que lutavam pela liberdade. A moça esperou para sempre a volta do seu príncipe.
Bem, essa, pelo menos, é a história que sempre nos contaram.
Quando os inconfidentes foram denunciados e presos em maio de 1789, Maria Doroteia tinha 21 anos, e o namoro com Tomás já devia ter cerca de seis. Ele passou ainda três anos preso no Rio de Janeiro, aguardando julgamento antes de ser deportado. Durante esse período, escreveu na masmorra a segunda parte dos poemas dedicados à musa Marília:
Nesta cruel masmorra tenebrosa
Inda vendo estou teus olhos belos,
A testa formosa,
Os dentes nevados,
Os negros cabelos”.*
Apesar desta introdução e do vigor das Liras, a história, aparentemente formal, prefere desconhecer aquilo que a dita “lenda” conta:
Maria Dorotéa era filha de Maria Doroteia Joaquina de Seixas e Baltazar João Mayrink, capitão do Regimento de Cavalaria Regular; com a morte de sua mãe passou a ser cuidada, como seus irmãos, pelo tio Francisco de Paula Mayrink, tenente coronel de Cavalaria, e suas tias Anna Ricarda de Seixas Mayrink e Emerenciana Evangelista de Seixas Mayrink.
Todos, tio e tias, se encantaram com o simpático, bem-apessoado e inteligente Ouvidor, contador de causos e declamador de poesias. Tomás e Dorotéa se encontravam em almoços, jantares e festas promovidas pelos tios, mas em particular na fazenda do tio Capitão Valeriano Manso Reis e tia Anna Ricarda de Seixas Mayrink Reis.
Em 15 de março de 1789, Joaquim Silvério dos Reis (grandessíssimo fdp…) tem uma audiência privada com o Visconde de Barbacena e, em depoimento por escrito, relata os detalhes que sabia da conspiração e os nomes dos envolvidos.
Assim que o pai de Tomás (Magistrado João Bernardo Gonzaga) soube que a Coroa mandara prender os “Inconfidentes”, telegrafou a Francisco de Paula Mayrink que, imediatamente foi esconder Tomás na fazenda da irmã. Isto deve ter ocorrido entre fins de março e início de abril.
Passaram-se os dias e, em 20 de maio de 1789 o Visconde de Barbacena iniciava as prisões dos inconfidentes em Minas. Tomás Antônio Gonzaga foi preso dia 21 de maio.
Algumas das Liras parecem ter sido rabiscadas então, ou escritas depois nas prisões no Rio e na África como memórias vívidas desta paixão avassaladora*.
Passaram meses, alguns meses, e …. “Apareceu a estrela do mar[2]…”.
Num cestinho, deixado à porta do Convento de Macaúbas, em Belo Horizonte, bem longe de Vila Rica, o menino e um bilhete:
“Este deverá ser batizado como Tomás Antônio Maria Joaquim Seixas Brandão Gonzaga Musa, pois é filho do poeta”.
Sempre que conto esta história, ao final digo: Atenção à pronúncia!
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*
“Ornemos nossas testas com as flores.
E façamos de feno um brando leito,
Prendamo-nos, Marília, em laço estreito,
Gozemos do prazer de sãos Amores.
Sobre as nossas cabeças,
Sem que o possam deter, o tempo corre;
E para nós o tempo, que se passa,
Também, Marília, morre” (Lira XIV, Parte 1).
Que gosto não terá a esposa amante,
Quando der ao filhinho o peito brando,
E refletir então no seu semblante!
Quando, Marília, quando
Disser consigo: “É esta
De teu querido pai a mesma barba,
A mesma boca, e testa. ” (Lira XIX).
[1] Houve uma tal família nobre do Vêneto — nada a ver com a nossa — que lhe deu na veneta de chamar-se Musa; se quiser saber veja: